Edição 4_Fevereiro/Março – 2009
Conversa de confrades
Compra na adega ou no supermercado?
A presença dos vinhos nas gôndolas ainda divide opiniões. Veja o que os especialistas destacaram sobre essa questão.
Por Claudia Zani
Fotos: Paulo Uras
De um lado, prateleiras muito iluminadas, uma refrigeração inadequada e garrafas expostas em pé (ato condenável para um vinho). Do outro, produtos de qualidade a preços convidativos. São duas realidades que os supermercados enfrentam desde o momento em que decidiram expor em suas gôndolas vinhos nacionais e importados. Mesmo diante de uma situação tão controversa, a aposta dos supermercadistas vem trazendo bons resultados. Dos 100 milhões de garrafas de vinhos finos consumidos anualmente, os supermercados lideram o ranking de vendas ao consumidor com quase 50%, segundo os dados da International Consulting. As lojas especializadas representam 23% das vendas, seguidas pelos restaurantes, que respondem por 16% delas, e pelas vendas diretas, que totalizam 12%. Mas então por que comprar vinhos em supermercados ainda causa polêmica? Quais suas vantagens e suas desvantagens? Para ajudar a entender um pouco mais sobre o assunto, a diVino conversou com o enófilo Didu Russo, membro-fundador da Confraria dos Sommeliers, e o consultor de vinhos José Luiz Giorgi Pagliari, da Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho (SBAV-SP), ambos a favor da comercialização de vinhos nas gôndolas. E ainda Álvaro Cézar Galvão, consultor de enogastronomia, que acredita que o supermercado seja um mal necessário para o comércio do vinho no Brasil.
Por que existem tantas críticas à venda de vinhos em supermercados?
Russo: A crítica principal recai sobre o modo como os vinhos são armazenados. Ficam em pé, geralmente a refrigeração não é a mais adequada e o critério de oferta também não é muito vantajoso para o consumidor. Além disso, as vendas para os supermercados podem gerar certo prejuízo para as importadoras, pois é repassado a elas, muitas vezes, o custo de exposição, acarretando a baixa qualidade dos vinhos que são oferecidos nas gôndolas.
Pagliari: No mundo do vinho, existem diversos canais de comercialização e cada um tem a sua função. Os supermercados estão aí com um papel importante para o crescimento do consumo do vinho no país. Acho que a crítica maior advém mesmo desses fatores que o Didu (Russo) comentou.
Galvão: O supermercado é um mal necessário porque é inegável sua contribuição para impulsionar as vendas do produto no Brasil. Além disso, esse estabelecimento é uma vitrine do vinho, ajudando na sua divulgação e comercialização na sociedade. Porém o tipo de armazenamento e a qualidade que se encontra nessas lojas ainda deixam muito a desejar. Os vinhos são maltratados já no recebimento, quando as garrafas são manipuladas de maneira inadequada. Isso sem contar com a exposição em pé e a excessiva iluminação. É esse seu lado ruim.
Mas a venda de vinhos em supermercados tem as suas vantagens, não?
Russo: Sim, é claro. Eu acho que o vinho deveria ser vendido até na praia. Adoraria estar sentado sob um guarda-sol e alguém vir oferecer-me um vinho. Acho que o supermercado tem essa função de contribuir para o aumento do consumo da bebida na sociedade, que ainda crê que o vinho seja só para ricos, o que não é verdade. E acho mais: a força dos supermercados para comprar das importadoras, negociando preços mais acessíveis, faz deles uma ótima opção para quem deseja realizar boas compras. O Pão de Açúcar sozinho pretende vender neste ano 16 milhões de garrafas! É muita coisa.
Pagliari: Também acho que os supermercados sejam um bom lugar para comprar vinhos. E com preços atrativos. No caso de São Paulo, existem vários supermercados que podem atender a diversos estilos de consumidor com muita qualidade, onde se encontram bons rótulos. Eu mesmo tenho o costume de ir ao supermercado para pesquisar. Vou com o meu caderninho de anotações e, às vezes, outros consumidores, por me verem escrevendo, pedem ajuda. Nessas situações, vejo que o vinho vem despertando o interesse das pessoas.
Galvão: Destacaria o nível dos atendentes que as lojas de supermercados disponibilizam para os consumidores. As grandes redes estão investindo em treinamentos, levando esses profissionais para visitar as vinícolas, promovendo cursos e discussões. Isso realmente é muito interessante para os consumidores que ainda têm dúvidas sobre o assunto.
Vocês acham que as lojas especializadas amedontram os consumidores menos experientes? Isso é algo que, nos supermercados, não acontece, pois a garimpagem nas prateleiras é muito mais à vontade.
Russo: O vinho no Brasil tem uma imagem excessivamente rebuscada. No imaginário da população, só a elite pode consumir vinhos. O que ajudou na construção dessa imagem foi também o ato de as lojas terem abusado na decoração suntuosa e requintada. Isso realmente deixa o consumidor mais retraído.
Pagliari: Existem lojas sofisticadas em que certas pessoas podem não se sentir à vontade, mas a questão de se intimidar por não conhecer é bobagem: quando vou a uma loja de ferragens para comprar uma maçaneta, peço ao vendedor orientação sobre o material e a qualidade do fabricante da peça, mas o design sou eu que tenho de escolher baseado no meu gosto. É a mesma coisa com relação ao vinho.
Galvão: É que, no supermercado, você fica muito mais à vontade, porque a sobrevivência financeira não está vinculada ao vinho. Se você não levar o vinho, você pode comprar qualquer outro produto. Já na loja, que tem toda uma estrutura – vendedores, armazenamento, aluguel, luz – vinculada à venda do vinho, essa pressão de ter de comprar pode intimidar os consumidores iniciantes, que, muitas vezes, só querem pesquisar e anotar informações sobre alguns rótulos. Penso também que, se as lojas expusessem mais os vinhos nacionais, a preços mais compensadores, as visitas seriam mais frequentes, mas isso não ocorre e quem tem feito isso são os supermercados. Por isso afirmo serem eles um mal necessário.
E como quebrar esse paradigma de que tudo o que é bom é caro, de que vinhos de boa qualidade têm de custar necessariamente acima de R$100, por exemplo?
Russo: É uma questão cultural do Brasil. Para alcançarmos esse patamar de conhecimento, vai levar um tempo ainda, porque o vinho ainda não foi para a cozinha. O que eu quero dizer é que muitos ainda não pensam “hoje vou tomar um vinho” em vez da cerveja, por exemplo. E superar isso requer um longo caminho, principalmente com relação ao preço. Na Europa, um vinho do dia-a-dia custa cerca de três euros (quase R$ 9). Quando o preço também for mais acessível para a população, o consumo do vinho com certeza será maior.
Pagliari: Uma maneira de quebrar essa afirmação de que “o que é bom é caro” se faz com a prova do vinho, que pode ser às cegas. Tanto em lojas como em algumas importadoras, isso é um instrumento de marketing muito recorrente. Avaliar o vinho antes de saber seu preço é muito útil. Essa questão do que é bom é outro ponto sobre o qual não existe unanimidade, pois depende da pessoa, do momento, de o vinho estar acompanhando a comida ou não, por exemplo.
Galvão: No Brasil, temos esse hábito de achar que o caro é bom e o barato não tem qualidade. O iniciante no consumo de vinho deveria, pelo menos, começar com um vinho de qualidade mediana, que não custa tão caro. Muitos acreditam que um vinho de R$ 30 não seja muito bacana, mas podemos encontrar isso facilmente, seja em supermercados, seja em lojas especializadas.
Enfim, qual é o melhor lugar para comprar um vinho e o que se deve levar em conta para escolher o local?
Russo: Se você preferir ir a um supermercado, vá até o lugar mais perto da sua casa e invista em vinhos brasileiros e uruguaios. Não há como errar, porque você vai pagar barato e beber vinhos de ótima qualidade. Além disso, também importante avaliar como o vinho é tratado no lugar. Sabendo desses detalhes, é só se aventurar no mundo do vinho.
Pagliari: Deve-se levar em conta a boa armazenagem. Um local fresco, com uma iluminação discreta, já que o calor e a luz aceleram a degradação da bebida. Caso você decida comprar em supermercados, é importante prestar atenção à rotatividade do estoque, pois, se ela for grande, isso será um sinal de que as garrafas, mesmo as colocadas em pé, não ficam por muito tempo em um ambiente fora do ideal. Vale experimentar também a compra direta do produtor ou do importador, prática que pode diminuir o risco de comprar garrafas malconservadas. A presença de pessoas para orientar sua compra, uma boa sinalização dos tipos de bebida (separação por países, por exemplo) indica a preocupação com o que está sendo vendido. Vale prestar atenção a esses detalhes.
Galvão: Quanto aos supermercados, sugiro que desconfiem das promoções, nas quais, em geral, há vinhos cuja qualidade já está comprometida. Nas lojas, também existem as promoções, mas, como nelas o armazenamento é muito controlado e o cuidado com o vinho é mais rigoroso, os preços podem ficar mais baixos para uma substituição de safra ou troca de estoque. Comprar um vinho estragado pode acontecer em qualquer lugar, mas, nas lojas, o processo de troca é mais fácil. No supermercado, isso já é muito mais complicado. Mas também é preciso entender que o “não estar bom” depende de várias provas e de uma “memória” do sabor do vinho. É importante experimentar o vinho várias vezes; é preciso conhecê-lo para afirmar que ele não está bom. Às vezes, o vinho é bom, está bom, mas suas características não agradam ao paladar da pessoa.
Pagliari: É essa a beleza desse universo, pois a degustação de um mesmo vinho pode ser diferente dependendo da ocasião.
Boxe – O consumo no Brasil
Os dados do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho) mostram que, em 2007, o brasileiro consumiu 1,5 litro per capita/ano e a previsão é que, em 15 anos, esse número passe para 9 litros per capita/ano.