Meninas e meninos,
Sem fazer autopromoção, vejam a matéria da Go’Where deste mês, onde Ennio Federico, Didú Russo, Manuel Luz e Eu somos capa.
Sem fazer autopromoção, vejam a matéria da Go’Where deste mês, onde Ennio Federico, Didú Russo, Manuel Luz e Eu somos capa.
Abaixo as nossas entrevistas para a revista, por Shirley Legnani e Fotos Mauro Holanda Assistente Jennifer Besse Produção Tereza Galante
Agradecimento Vicolo Nostro Ristorante
“A maioria largou uma atividade convencional, por assim dizer, para se dedicar ao universo dos vinhos. É o caso do sempre alinhado Didú Russo, com sua impecável gravata borboleta, que deixou uma vitoriosa carreira de publicitário premiado para ser um dos mais conhecidos mestres da enofilia no Brasil. E do engenheiro Álvaro Cézar Galvão, que virou enófilo – ou vinho, como sugere o próprio nome de seu blog. Nesse time ilustre, Manuel Luz, colunista, professor de Grego clássico e História e enólogo, consegue explicar de forma simples e pedagógica uma transformação química altamente complexa na produção de determinado vinho, sem “florear” ou dificultar o conhecimento do leigo. E o quarteto se completa com o gentleman Ennio Federico, economista e respeitadíssimo enófilo e articulista, colaborador de vários sites e revistas do segmento. Os rótulos mais marcantes de suas vidas, os insuportáveis enochatos das feiras e eventos, a salvaguarda proposta para os vinhos nacionais, treinamento e dom para a degustação de vinhos – nada lhes é estranho no universo dos vinhos. E foram alguns dos assuntos que estes craques de tintos e brancos dissecaram para GoWhere Vinhos
Como e quando se interessou pela enologia?
Didú – Ninguém acredita, mas foi antes mesmo de minha consciência, pois, antes mesmo da primeira mamada, minha mãe me deu uma colherzinha de um Porto Vintage da Quinat, produzido no vinhedo de meu bisavô materno, que era português. É uma tradição portuguesa. Mas foi só lá pelos anos 90 que, cansado de ser publicitário, resolvi me dedicar ao que eu já gostava mais de fazer: degustar vinhos. Montei um bar de vinhos com meus filhos, o que lamentavelmente fiz muito antes do modismo que o vinho vive hoje. Tínhamos 32 vinhos vendidos em taça em 1998… claro que não funcionou, mas lá nasceu a Confraria dos Sommeliers e lá nasceu meu livro Nem Leigo Nem Expert, bem como cursos, palestras, artigos, site e tudo o mais que produzo no mundo do vinho.
Álvaro – Sempre gostei de cozinhar, e, sobretudo, estudar o que comia e bebia. E o vinho ligava as duas coisas. Me dedico profissionalmente à enogastronomia há mais de 15 anos.
Manuel – No início dos anos de 90, comecei a me interessar por turismo, ramo no qual queria trabalhar. Num dos cursos que fiz havia uma aula sobre vinhos e outras bebidas. Achei uma boa ideia ter como trabalho a degustação de vinho e ainda ganhar pra isso. Aí fui incentivado por dois amigos a seguir nessa carreira: Marcos Mattos e Edinho Engel, do restaurante Manacá.
Ennio – O vinho sempre esteve presente em minha vida, desde criança eu tomava misturado com água nas festas de família – coisa de italiano. Adulto, continou sendo um hobby. Mas foi somente no início da década de 80, com a fundação da SBAV (da qual ele foi presidente por três gestões), que realmente comecei a estudar o assunto em profundidade.
De fora, tudo parece ser muito bom: viagens, degustações, eventos, etc. É isso mesmo?
Didú – Sem dúvida, desde que a pessoa goste do que faz. Eu gosto. Costumo dizer de forma jocosa que o mercado de parafusos não propicia o mesmo que o de vinhos…
Alvaro – Não é bem assim para os profissionais. Para o enófilo amador, tudo é encantamento, mas para os profissionais do vinho, principalmente os que escrevem, trabalhamos duro, como qualquer operário.
Manuel – Depende muito da área em que o enófilo trabalha. Se for num restaurante, certamente ficará mais tempo trabalhando no estabelecimento que viajando, embora faça necessariamente duas ou três viagens de atualização por ano. Se o especialista desenvolve trabalho na área de wine Hunter (descoberta de novos produtores) ou critica/jornalismo de vinho, as chances de viajar são muito maiores, e, na verdade, é possível passar mais da metade do ano em viagens para regiões produtoras do mundo todo. Já quanto às degustações, é questão obrigatória: um profissional sério deve provar no mínimo mil rótulos diferentes todos os anos.
Ennio – Desde que você seja convidado, é isso mesmo.
Você já teve que fingir que gostou de determinado vinho só para não desagradar, seja o produtor, importador ou um amigo?
Didú – Não consigo, prefiro ser sincero a ser falso. Mesmo que o vinho não esteja num nível bom, pode-se dizer isso com respeito, educação e elegância e ser útil ao produtor/ importador e até um amigo.
Álvaro – Nunca. Desde meus primeiros artigos, sempre procurei falar daquilo que eu gostava. Mas mesmo sob pena de desagradar, creio seja mais interessante para o produtor/ importador saber minha opinião sincera, e os mais inteligentes sabem aproveitar estas opiniões.
Manuel – Não sou conhecido por ser político ou muito simpático nesse quesito. Falo o que tenho segurança pra falar. Seja o comentário bom ou ruim.
Ennio – Não me lembro que isso tenha ocorrido, mas acho que eu sempre diria a verdade.
Já teve algum recorde de número de vinhos degustados em um dia?
Didú – Numa degustação promovida por uma revista, cheguei a provar 120 rótulos. Tivemos que parar umas três vezes e dar uma respirada para não comprometer o trabalho. Mas não é o ideal. Mesmo cuspindo as amostras, você acaba alterado sua sensibilidade com esse excesso.
Álvaro – Em uma viagem a Portugal, foram 170 num só dia. No sul, no ano passado, a média ficou em 70/dia.
Manuel – Minha meta, mesmo nas feiras internacionais, é ficar na casa dos 80, 90 por dia, mas outro dia estive em Bordeaux, confinado no Château de Rougerie, em Entre-deus-Mers, por uma semana, numa programação de mais de 800 rótulos. E a média foi de 150 vinhos por dia.
Ennio – Numa prova de vinhos do Porto, degustei seguida-mente 57 diferentes amostras de vários brancos e tintos do Douro durante o jantar. Talvez tenha degustado maior quantidade em feiras, mas em teor alcoólico o Porto ganha.
Como lidar com os beberrões em eventos?
Didú – O ideal é levar na brincadeira e, se tiver intimidade com a pessoa, dar um toque… O problema do álcool é que o cara legal fica mais legal, o chato mais chato e o mal educado mais mal educado. In vino veritas não nasceu ao acaso…
Álvaro – Pessoas que não sabem beber são inconvenientes em qualquer ocasião e, muitas vezes, é muito difícil lidar com elas, mas tiro de letra.
Manuel – Eu pratico a censura cordial. Se estiver me incomodando ou atrapalhando o andamento de uma degustação, chego e falo.
Ennio -– Nos eventos, os enófilos formam grupos isolados, nunca têm contato com essas figuras.
Quais seus vinhos favoritos?
Didú – Biodinâmicos, porque são honestos, sinceros e puros, mostram o que o terroir é de verdade.
Álvaro – Sabe de uma coisa? Meus vinhos favoritos são os últimos de que mais gostei nas provas. Claro que, de modo geral, tenho preferências, como os do Velho Mundo, menos alcoólicos que os do Novo Mundo. Gosto dos italianos, espanhóis e portugueses. Também gosto e escrevo sobre os vinhos do Brasil. Apesar do momento adverso com a proposta de salvaguardas, não fiz e sou contra boicotes.
Manuel – Vinho é feito de uvas, mas também de ideias. O momento é muito importante para determinar o sucesso de uma bebida. O vinho ideal vem da Europa, mas há muita coisa boa de outras regiões. Bebo muito vinho branco, às vezes até fora dos “manuais” de harmonização – e está aí outra coisa para a qual não ligo. Dos tintos, prefiro Borgonha e Piemonte.
Ennio – É difícil dizer, pois as preferências mudam rapidamente na medida em que aparecem novos vinhos ao alcance do bolso. Degustar ocasionalmente um Château Petrus não basta para considerá-lo favorito, se não pode haver continuidade.
Como vê a proposta da salvaguarda dos vinhos nacionais, com o estabelecimento de cotas para os importados, por exemplo?
Didú – Acho um incrível equívoco, mal elaborado e enganoso em sua defesa e uma lamentável iniciativa separatista que escancara o maior problema do setor no Brasil, a desunião.
Álvaro – Um erro grosseiro de estratégia, quem sabe até má fé mesmo de alguns, pois, desde a proposta do selo fiscal, venho dizendo da inutilidade e do despreparo dos órgãos que assim decidem. Trabalho com vinhos brasileiros faz muitos anos e vejo que hoje a cicatriz está exposta, por total despreparo e desprezo de alguns com a inteligência do mercado consumidor
Manuel – Ninguém nunca sabe o que as pessoas conversam às portas fechadas. Parece-me uma tolice. O tempo dirá quem estava certo e quem deu tiro no pé. O fato é que muita gente se posicionou, não porque tinha uma opinião, mas porque aproveitou o momento para autopromoção. Isso causa distúrbio no diálogo.
Ennio – Sou totalmente contra essa pretensão e endosso todos os argumentos daqueles que também não concordam.
O que acha dos vinhos brasileiros?
Didú – Acho que estão melhorando muito, mas precisam buscar sua própria personalidade. A maioria quer copiar o que faz sucesso no mercado e não considero que esse deva ser o caminho. Os melhores “secondo me” quase ninguém conhece, são de pequenos produtores, alguns naturais, e sensacionais, como os vinhos de Marco Daniele, os do Dominio Vicari, o Hex Von Max, o Dall’Agnol, o Panceri, o Era dos Ventos Peverela, o Elephant Rouge. Você já ouviu falar deles? Pois são vinhos únicos, de personalidade, que mostram o potencial do Brasil no setor
Álvaro – Alguns são bons, outros muito bons, há os ótimos, mas todos pecam nos preços, por ganância de todos. Principalmente os espumantes, e dentre eles o espumante Moscatel, são ótimos e são os únicos que têm relação preço e qualidade adequada, por isso as vendas não param de crescer ano após ano.
Manuel – Estão evoluindo muito e bem. Provo com atenção desde o início dos anos 1990. Tudo depende de plantas adequadas, tecnologia de elaboração e cuidado no cultivo. Há muitos produtores investindo nisso. O resultado vem com o tempo. Não se faz um bom vinho em 5, 10 anos. Demora, mas vem.
Ennio – Acho que o futuro dos vinhos brasileiros ainda está nos espumantes.
O que é mais essencial para ser um bom conhecedor de vinhos, dom ou treinamento?
Didú – Um conjunto de coisas: estudar, ler, experimentar, ser humilde, gostar, ser curioso. Todas as pessoas normais podem ser bons conhecedores de vinho, basta ter olfato e paladar. Mas o mais importante é ser interessado e sincero.
Álvaro – Creio que ambos: treino é necessário, mas sem certo pendor para a análise olfato-gustativa, além de memória, nunca teremos um grande conhecedor. Primeiro temos que nos preocupar em criar a cultura de se degustar vinhos, para depois nos aprimorarmos em conhecimentos mais técnicos. Mas estudar, sempre. O saber não ocupa espaço!
Manuel – Treinamento, disciplina, amigos certos e dinheiro. O custo é alto. O custo alto explica essa imensidão de profissionais medíocres que investem pouco e ganham no grito seu lugar ao sol, mas poucos provaram grandes coisas. Não é questão de esnobismo, é preciso provar mais de uma vez para conhecer. Ainda há os custos das viagens, hospedagem, etc. Acaba que as importadoras são os grandes patrocinadores e por isso só se bebe chileno e argentino no Brasil – pois pra lá é mais barato ir e muitos profissionais nossos só conhecem Mendonza e Santiago.
Ennio – Muitas viagens, muita leitura, muita degustação e conversa com quem entende mais que você.
Dos milhares de vinhos degustados, descreva uma experiência inesquecível.
Didú – Já tive grande prazer em beber vinho de mesa no restaurante De Marchi em São Bernardo, comendo frango à passarinho com alho frito, polenta e salada de rúcula. Às vezes repito a experiência para lembrar como era… Citar uma apenas é difícil, mas vamos ao que primeiro me vem à cabeça: uma vertical do Clos de La Coulée de Serrant (um branco do Vale do Loire da casta Chenin Blanc), com o proprietário Nicolas Joly, um gênio da Biodinâmica, que mudou minha vida no mundo do vinho. Para se ter uma ideia, provamos vinhos abertos pela manhã e degustados à tarde e o melhor deles tinha 20 anos de idade, estava fresco e não tinha adição de nada além do que a uva fermentada produziu.
Álvaro – São muitas. Em uma mostra de vinhos organizada pela ViniPortugal, conheci os vinhos do Porto Dalva Colheita, como o 1963 Golden White, inesquecíveis. Outra ocasião marcante foi quando degustei pela segunda vez o
Cave Geisse Brut 1998, garrafa Magnum. Da primeira vez ele não me chamou tanto a atenção, ao menos não com a intensidade de agora. Eu e o vinho éramos outros, tínhamos mudado, esta é uma das belezas do mundo dos vinhos.
Manuel – Uma realmente sublime: uma prova de vinho do Porto Vintage de safras antigas às margens do rio Douro. Eram 12 safras, como o Taylor’s Vintage Port 1912, o Quinta do Noval Colheita 1937, o Warre’s Vintage Port 1958 e o Quinta do Noval Colheita 1964. Ennio – Em 2001, fui responsável pela abertura de uma garrafa de vinho do Porto Real Cia. Velha 1815 usando uma tenaz. O vinho foi em seguida cuidadosamente decantado com luz de vela e servido nos copos oficiais do IVP para um pequeno grupo reunido na residência do saudoso Armando Reis, então presidente do Solar do Vinho do Porto. Fizemos um brinde e degustamos um raro néctar, uma bebida com quase 190 anos de idade! Foi emocionante”.
“A maioria largou uma atividade convencional, por assim dizer, para se dedicar ao universo dos vinhos. É o caso do sempre alinhado Didú Russo, com sua impecável gravata borboleta, que deixou uma vitoriosa carreira de publicitário premiado para ser um dos mais conhecidos mestres da enofilia no Brasil. E do engenheiro Álvaro Cézar Galvão, que virou enófilo – ou vinho, como sugere o próprio nome de seu blog. Nesse time ilustre, Manuel Luz, colunista, professor de Grego clássico e História e enólogo, consegue explicar de forma simples e pedagógica uma transformação química altamente complexa na produção de determinado vinho, sem “florear” ou dificultar o conhecimento do leigo. E o quarteto se completa com o gentleman Ennio Federico, economista e respeitadíssimo enófilo e articulista, colaborador de vários sites e revistas do segmento. Os rótulos mais marcantes de suas vidas, os insuportáveis enochatos das feiras e eventos, a salvaguarda proposta para os vinhos nacionais, treinamento e dom para a degustação de vinhos – nada lhes é estranho no universo dos vinhos. E foram alguns dos assuntos que estes craques de tintos e brancos dissecaram para GoWhere Vinhos
Como e quando se interessou pela enologia?
Didú – Ninguém acredita, mas foi antes mesmo de minha consciência, pois, antes mesmo da primeira mamada, minha mãe me deu uma colherzinha de um Porto Vintage da Quinat, produzido no vinhedo de meu bisavô materno, que era português. É uma tradição portuguesa. Mas foi só lá pelos anos 90 que, cansado de ser publicitário, resolvi me dedicar ao que eu já gostava mais de fazer: degustar vinhos. Montei um bar de vinhos com meus filhos, o que lamentavelmente fiz muito antes do modismo que o vinho vive hoje. Tínhamos 32 vinhos vendidos em taça em 1998… claro que não funcionou, mas lá nasceu a Confraria dos Sommeliers e lá nasceu meu livro Nem Leigo Nem Expert, bem como cursos, palestras, artigos, site e tudo o mais que produzo no mundo do vinho.
Álvaro – Sempre gostei de cozinhar, e, sobretudo, estudar o que comia e bebia. E o vinho ligava as duas coisas. Me dedico profissionalmente à enogastronomia há mais de 15 anos.
Manuel – No início dos anos de 90, comecei a me interessar por turismo, ramo no qual queria trabalhar. Num dos cursos que fiz havia uma aula sobre vinhos e outras bebidas. Achei uma boa ideia ter como trabalho a degustação de vinho e ainda ganhar pra isso. Aí fui incentivado por dois amigos a seguir nessa carreira: Marcos Mattos e Edinho Engel, do restaurante Manacá.
Ennio – O vinho sempre esteve presente em minha vida, desde criança eu tomava misturado com água nas festas de família – coisa de italiano. Adulto, continou sendo um hobby. Mas foi somente no início da década de 80, com a fundação da SBAV (da qual ele foi presidente por três gestões), que realmente comecei a estudar o assunto em profundidade.
De fora, tudo parece ser muito bom: viagens, degustações, eventos, etc. É isso mesmo?
Didú – Sem dúvida, desde que a pessoa goste do que faz. Eu gosto. Costumo dizer de forma jocosa que o mercado de parafusos não propicia o mesmo que o de vinhos…
Alvaro – Não é bem assim para os profissionais. Para o enófilo amador, tudo é encantamento, mas para os profissionais do vinho, principalmente os que escrevem, trabalhamos duro, como qualquer operário.
Manuel – Depende muito da área em que o enófilo trabalha. Se for num restaurante, certamente ficará mais tempo trabalhando no estabelecimento que viajando, embora faça necessariamente duas ou três viagens de atualização por ano. Se o especialista desenvolve trabalho na área de wine Hunter (descoberta de novos produtores) ou critica/jornalismo de vinho, as chances de viajar são muito maiores, e, na verdade, é possível passar mais da metade do ano em viagens para regiões produtoras do mundo todo. Já quanto às degustações, é questão obrigatória: um profissional sério deve provar no mínimo mil rótulos diferentes todos os anos.
Ennio – Desde que você seja convidado, é isso mesmo.
Você já teve que fingir que gostou de determinado vinho só para não desagradar, seja o produtor, importador ou um amigo?
Didú – Não consigo, prefiro ser sincero a ser falso. Mesmo que o vinho não esteja num nível bom, pode-se dizer isso com respeito, educação e elegância e ser útil ao produtor/ importador e até um amigo.
Álvaro – Nunca. Desde meus primeiros artigos, sempre procurei falar daquilo que eu gostava. Mas mesmo sob pena de desagradar, creio seja mais interessante para o produtor/ importador saber minha opinião sincera, e os mais inteligentes sabem aproveitar estas opiniões.
Manuel – Não sou conhecido por ser político ou muito simpático nesse quesito. Falo o que tenho segurança pra falar. Seja o comentário bom ou ruim.
Ennio – Não me lembro que isso tenha ocorrido, mas acho que eu sempre diria a verdade.
Já teve algum recorde de número de vinhos degustados em um dia?
Didú – Numa degustação promovida por uma revista, cheguei a provar 120 rótulos. Tivemos que parar umas três vezes e dar uma respirada para não comprometer o trabalho. Mas não é o ideal. Mesmo cuspindo as amostras, você acaba alterado sua sensibilidade com esse excesso.
Álvaro – Em uma viagem a Portugal, foram 170 num só dia. No sul, no ano passado, a média ficou em 70/dia.
Manuel – Minha meta, mesmo nas feiras internacionais, é ficar na casa dos 80, 90 por dia, mas outro dia estive em Bordeaux, confinado no Château de Rougerie, em Entre-deus-Mers, por uma semana, numa programação de mais de 800 rótulos. E a média foi de 150 vinhos por dia.
Ennio – Numa prova de vinhos do Porto, degustei seguida-mente 57 diferentes amostras de vários brancos e tintos do Douro durante o jantar. Talvez tenha degustado maior quantidade em feiras, mas em teor alcoólico o Porto ganha.
Como lidar com os beberrões em eventos?
Didú – O ideal é levar na brincadeira e, se tiver intimidade com a pessoa, dar um toque… O problema do álcool é que o cara legal fica mais legal, o chato mais chato e o mal educado mais mal educado. In vino veritas não nasceu ao acaso…
Álvaro – Pessoas que não sabem beber são inconvenientes em qualquer ocasião e, muitas vezes, é muito difícil lidar com elas, mas tiro de letra.
Manuel – Eu pratico a censura cordial. Se estiver me incomodando ou atrapalhando o andamento de uma degustação, chego e falo.
Ennio -– Nos eventos, os enófilos formam grupos isolados, nunca têm contato com essas figuras.
Quais seus vinhos favoritos?
Didú – Biodinâmicos, porque são honestos, sinceros e puros, mostram o que o terroir é de verdade.
Álvaro – Sabe de uma coisa? Meus vinhos favoritos são os últimos de que mais gostei nas provas. Claro que, de modo geral, tenho preferências, como os do Velho Mundo, menos alcoólicos que os do Novo Mundo. Gosto dos italianos, espanhóis e portugueses. Também gosto e escrevo sobre os vinhos do Brasil. Apesar do momento adverso com a proposta de salvaguardas, não fiz e sou contra boicotes.
Manuel – Vinho é feito de uvas, mas também de ideias. O momento é muito importante para determinar o sucesso de uma bebida. O vinho ideal vem da Europa, mas há muita coisa boa de outras regiões. Bebo muito vinho branco, às vezes até fora dos “manuais” de harmonização – e está aí outra coisa para a qual não ligo. Dos tintos, prefiro Borgonha e Piemonte.
Ennio – É difícil dizer, pois as preferências mudam rapidamente na medida em que aparecem novos vinhos ao alcance do bolso. Degustar ocasionalmente um Château Petrus não basta para considerá-lo favorito, se não pode haver continuidade.
Como vê a proposta da salvaguarda dos vinhos nacionais, com o estabelecimento de cotas para os importados, por exemplo?
Didú – Acho um incrível equívoco, mal elaborado e enganoso em sua defesa e uma lamentável iniciativa separatista que escancara o maior problema do setor no Brasil, a desunião.
Álvaro – Um erro grosseiro de estratégia, quem sabe até má fé mesmo de alguns, pois, desde a proposta do selo fiscal, venho dizendo da inutilidade e do despreparo dos órgãos que assim decidem. Trabalho com vinhos brasileiros faz muitos anos e vejo que hoje a cicatriz está exposta, por total despreparo e desprezo de alguns com a inteligência do mercado consumidor
Manuel – Ninguém nunca sabe o que as pessoas conversam às portas fechadas. Parece-me uma tolice. O tempo dirá quem estava certo e quem deu tiro no pé. O fato é que muita gente se posicionou, não porque tinha uma opinião, mas porque aproveitou o momento para autopromoção. Isso causa distúrbio no diálogo.
Ennio – Sou totalmente contra essa pretensão e endosso todos os argumentos daqueles que também não concordam.
O que acha dos vinhos brasileiros?
Didú – Acho que estão melhorando muito, mas precisam buscar sua própria personalidade. A maioria quer copiar o que faz sucesso no mercado e não considero que esse deva ser o caminho. Os melhores “secondo me” quase ninguém conhece, são de pequenos produtores, alguns naturais, e sensacionais, como os vinhos de Marco Daniele, os do Dominio Vicari, o Hex Von Max, o Dall’Agnol, o Panceri, o Era dos Ventos Peverela, o Elephant Rouge. Você já ouviu falar deles? Pois são vinhos únicos, de personalidade, que mostram o potencial do Brasil no setor
Álvaro – Alguns são bons, outros muito bons, há os ótimos, mas todos pecam nos preços, por ganância de todos. Principalmente os espumantes, e dentre eles o espumante Moscatel, são ótimos e são os únicos que têm relação preço e qualidade adequada, por isso as vendas não param de crescer ano após ano.
Manuel – Estão evoluindo muito e bem. Provo com atenção desde o início dos anos 1990. Tudo depende de plantas adequadas, tecnologia de elaboração e cuidado no cultivo. Há muitos produtores investindo nisso. O resultado vem com o tempo. Não se faz um bom vinho em 5, 10 anos. Demora, mas vem.
Ennio – Acho que o futuro dos vinhos brasileiros ainda está nos espumantes.
O que é mais essencial para ser um bom conhecedor de vinhos, dom ou treinamento?
Didú – Um conjunto de coisas: estudar, ler, experimentar, ser humilde, gostar, ser curioso. Todas as pessoas normais podem ser bons conhecedores de vinho, basta ter olfato e paladar. Mas o mais importante é ser interessado e sincero.
Álvaro – Creio que ambos: treino é necessário, mas sem certo pendor para a análise olfato-gustativa, além de memória, nunca teremos um grande conhecedor. Primeiro temos que nos preocupar em criar a cultura de se degustar vinhos, para depois nos aprimorarmos em conhecimentos mais técnicos. Mas estudar, sempre. O saber não ocupa espaço!
Manuel – Treinamento, disciplina, amigos certos e dinheiro. O custo é alto. O custo alto explica essa imensidão de profissionais medíocres que investem pouco e ganham no grito seu lugar ao sol, mas poucos provaram grandes coisas. Não é questão de esnobismo, é preciso provar mais de uma vez para conhecer. Ainda há os custos das viagens, hospedagem, etc. Acaba que as importadoras são os grandes patrocinadores e por isso só se bebe chileno e argentino no Brasil – pois pra lá é mais barato ir e muitos profissionais nossos só conhecem Mendonza e Santiago.
Ennio – Muitas viagens, muita leitura, muita degustação e conversa com quem entende mais que você.
Dos milhares de vinhos degustados, descreva uma experiência inesquecível.
Didú – Já tive grande prazer em beber vinho de mesa no restaurante De Marchi em São Bernardo, comendo frango à passarinho com alho frito, polenta e salada de rúcula. Às vezes repito a experiência para lembrar como era… Citar uma apenas é difícil, mas vamos ao que primeiro me vem à cabeça: uma vertical do Clos de La Coulée de Serrant (um branco do Vale do Loire da casta Chenin Blanc), com o proprietário Nicolas Joly, um gênio da Biodinâmica, que mudou minha vida no mundo do vinho. Para se ter uma ideia, provamos vinhos abertos pela manhã e degustados à tarde e o melhor deles tinha 20 anos de idade, estava fresco e não tinha adição de nada além do que a uva fermentada produziu.
Álvaro – São muitas. Em uma mostra de vinhos organizada pela ViniPortugal, conheci os vinhos do Porto Dalva Colheita, como o 1963 Golden White, inesquecíveis. Outra ocasião marcante foi quando degustei pela segunda vez o
Cave Geisse Brut 1998, garrafa Magnum. Da primeira vez ele não me chamou tanto a atenção, ao menos não com a intensidade de agora. Eu e o vinho éramos outros, tínhamos mudado, esta é uma das belezas do mundo dos vinhos.
Manuel – Uma realmente sublime: uma prova de vinho do Porto Vintage de safras antigas às margens do rio Douro. Eram 12 safras, como o Taylor’s Vintage Port 1912, o Quinta do Noval Colheita 1937, o Warre’s Vintage Port 1958 e o Quinta do Noval Colheita 1964. Ennio – Em 2001, fui responsável pela abertura de uma garrafa de vinho do Porto Real Cia. Velha 1815 usando uma tenaz. O vinho foi em seguida cuidadosamente decantado com luz de vela e servido nos copos oficiais do IVP para um pequeno grupo reunido na residência do saudoso Armando Reis, então presidente do Solar do Vinho do Porto. Fizemos um brinde e degustamos um raro néctar, uma bebida com quase 190 anos de idade! Foi emocionante”.
Go’Where
Até o próximo brinde!
Álvaro Cézar Galvão