Meninas e meninos,
Gastronomia, vinhos e Fernando Pessoa é o que vem à minha cabeça nesta segundona de quase final de mês, e por que isto? bem, porque no meu instagram @divinoguia de domingo dia 28-10-2018 coloquei uma poesia de Vinicius de Moraes que traduzia o que eu estava sentindo.
Sem entrar no mérito da questão gosto não se discute, meu objetivo é a luz, estas frases do Fernando Pessoa traduzem muito bem o que me lembro da gastronomia e dos vinhos, pois temos sempre que ousar com as novidades e curtir o bom que desta experiência possa ficar, e aprender com o que não tão bom assim, para cada um, deixa um legado de sabedoria.
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.
Fernando Pessoa
Como adoro Fernando Pessoa e suas poesias, me lembrei de um evento que ocorreu no Hotel Escola Águas de São Pedro do SENAC, onde dei aulas de enogastronomia e vinhos por muitos anos, e que me trás saudades.

Busto de Fernando Pessoa no Bar Pessoa do Hotel Royal Palm em Campinas.
Versos do poeta português inspiraram as criações do renomado chefe lusitano Vitor Sobral para um encontro da poesia com a gastronomia no Grande Hotel São Pedro. Inspirado em versos de Fernando Pessoa, o chef Vitor elaborou um jantar especial para hóspedes e visitantes.
Homenagem ao ano de Portugal no Brasil, isto em 2012, o evento com uma visão moderna da cultura portuguesa, sofisticação e elegância nos pratos e ingredientes tradicionais na cozinha lusitana foram aliando sabores e a poesia de um dos principais poetas do século 20.
Revisitando aquele cardápio:
Menu Fernando Pessoa
Entrada: Creme frio de mandioquinha, coco e caviar
“Padrão” – Fernando Pessoa
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para adiante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão assinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
E a cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.
Primeiro Prato: Camarão em salmoura, palmitos frescos confitados e vinagrete de maracujá
“Tabacaria” – Fernando Pessoa, heterônimo Álvaro de Campos
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves! e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu”.
Segundo Prato: Bacalhau no forno, creme de couve-flor, tomate assado e amêndoas torradas com especiarias
“Mar português” – Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu à pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Prato Principal: Empada de perdiz com guisado de cogumelos e alecrim
“Navegar é Preciso” – Fernando Pessoa
“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
“Navegar é preciso; viver não é preciso”.
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a
lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça”.
Sobremesas: Pratão de sobremesas: Azevias de mandioca e gengibre, creme de arroz doce co canela e hortelã, creme queimado com aromas de cumaru
“Quadras ao Gosto Popular” – Fernando Pessoa
Cantigas de portugueses
São como barcos no mar —
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.
Ai, os pratos de arroz doce
Com as linhas de canela!
Ai a mão branca que os trouxe!
Ai essa mão ser a dela!
Saudades, só portugueses
Conseguem senti-las bem.
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm.
Santo Antônio de Lisboa
Era um grande pregador,
Mas é por ser Santo Antônio
Que as moças lhe têm amor.
Trazes a rosa na mão
E colheste-a distraída…
E que é do meu coração
Que colheste mais sabida?
Para o final, recomendo:
Como Te Amo
Como te amo? Não sei de quantos modos vários
Eu te adoro, mulher de olhos azuis e castos;
Amo-te com o fervor dos meus sentidos gastos;
Amo-te com o fervor dos meus preitos diários.
É puro o meu amor, como os puros sacrários;
É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos;
É grande como os mares altisonos e vastos;
É suave como o odor de lírios solitários.
Amor que rompe enfim os laços crus do Ser;
Um tão singelo amor, que aumenta na ventura;
Um amor tão leal que aumenta no sofrer;
Amor de tal feição que se na vida escura
É tão grande e nas mais vis ânsias do viver,
Muito maior será na paz da sepultura!
E finalizando este texto-Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
Até o próximo brinde!
Álvaro Cézar Galvão