Meninas e meninos,
Revista Gourmet & Food Service- Produção cooperada de vinho. Transcrevo aqui um texto que publiquei em uma das revistas onde colaborava como jornalista em 2012, a Gourmet & Food Service, de saudosa memória.
Produção cooperada de vinho
Quando a associação, ou a cooperativa, é a saída para os pequenos produtores. Neste artigo, as experiências que desfrutei em uma viagem à região de Chantada, na Galícia. Não sou especialista em cooperativismo e tenho mesmo algumas restrições quanto ao modo de gestão de algumas cooperativas. Entretanto, devo admitir que quando se tem a necessidade de crescer e não se possui recursos, tanto na questão de mão de obra quanto na financeira, o ditado antigo “a união faz a força” se faz valer. Porque não somar esforços?
Por escrever, ministrar palestras e dar consultorias em vinhos, enogastronomia e serviços ligados à área, estive a convite da Asociación de Adegueiros e Transformadores do Miño, criada em 2003, na Galícia, Espanha, mais especificamente em Chantada, para conhecer a região e o trabalho que tem sido feito pelos pequenos produtores de vinho.
A jovem associação está justamente na fase de aglutinar esforços e objetivos de uma série de bodegas e transformadores vinícolas com Denominação de Origem (D.O) – Ribeira Sacra, visando progresso e qualidade. Seus objetivos, claro, são o de unir forças para, numa mesma linha de trabalho e orientação, levar o desenvolvimento de projetos que possam agregar valor, qualidade e quantidades mais expressivas aos produtores e seus produtos, que sozinhos não alcançam e não têm como desenvolver e aplicar tecnologias e melhorias departamentais em seus negócios.
No mundo globalizado de hoje, as empresas precisam ser expostas, mostradas, testadas, e, para isso, há de se ter verbas publicitárias, marketing adequado e agressivo, boa ferramenta de Internet, enfim, todas as manifestações que deem visibilidade aos produtos. E isso nem sempre é possível para algumas delas.
O fundamental ainda é focar o conjunto, que começa com a qualificação, e se soma ao custo, para formar o que chamamos de relação preço versus qualidade. Para que isso aconteça, é necessária a contínua escala de produção, o que para os pequenos produtores só é possível com o sistema cooperativado.
Tipo de produção
Em Chantada, encontram-se bodegas que tradicionalmente utilizam métodos ancestrais de vitivinicultura e vinificação, até meio que ligadas ao modo de ser do galego, que se caracteriza pela “teimosia” em fazer do jeito que seus avós e pais já faziam. Não que estejam totalmente errados, ainda mais nos dias de hoje em que as culturas e produtos orgânicos, colhidos manualmente e preparados com o mínimo de intervenções danosas ao meio ambiente são o mote da vez.
Essa associação não quer perder as características rústicas do local, aliás, muito parecidas com as da região do Douro, em Portugal, pois as uvas são cultivadas nas encostas agrestes, num terreno pedregoso granítico, o que as diferem das do Douro, pois lá é solo xistoso.
Há ainda uma diferença marcante que me chamou a atenção, enquanto na região do Douro os terrenos cultivados estão em áreas grandes, abertas ao cultivo, em Chantada, as vinhas estão plantadas em áreas abertas especialmente para esse fim. Elas estão em meio a matas nativas, ao longo do rio Miño, onde as uvas só podem ser colhidas manualmente e com muito sacrifício, em parcelas tão pequenas que chegamos a duvidar de seu retorno financeiro, algumas vinhas medindo cerca de 1200 m2 ou até menos.
Só vendo para acreditar como os chamados galegos conseguem chegar a essas áreas. Claro que há locais maiores de cultivo, mas pelo que se nota, a cooperativa e a associação estão desde o inicio beneficiando exatamente esses pequenos produtores, colocando ao seu alcance, métodos e numerário para seu crescimento produtivo e qualitativo.
Também é importante lembrar que, com esse sistema cooperativado, a quantidade de vinhos, no caso, se torna mais expressiva, diluindo custos, empregando a mão de obra local – quando as famílias de viticultores e ou vinicultores não dão mais conta –, enfim, trazendo o progresso e agregando valor ao produto melhorado. Mas cabe aqui uma explicação, que é a de que são em torno de 22 bodegas que fazem parte da Asociación de Adegueiros e Transformadores do Miño, e nem todas fazem parte da Cooperativa Oreta Xida, da qual darei mais detalhes na sequência desse artigo.
Impulsionando o turismo
Desenvolver ainda mais o mercado de vinhos local foi a intenção da associação, quando convidou alguns formadores de opinião, representantes de importadoras e grandes redes de supermercados – com organização e eficiente programa – para participarem da I Xornada de Internacionalización, que se destinou a mostrar para outros mercados, no caso o Brasil, seus produtos e sua região peculiar.
Vale ressaltar o enorme potencial turístico, que, na minha opinião, será a mola propulsora dessa iniciativa, pois a associação já está colocando em prática algumas ações no sentido de valorar e fomentar o turismo dessa região que dista cerca de 120 Km da famosa Santiago de Compostela, com passeios de Catamarã pelo rio Miño, visitas aos pontos de beleza nativa, onde já há alguns mirantes e às igrejas que são patrimônio da região, algumas com mais de quatrocentos anos.
Água boa
A viagem me proporcionou conhecer produtos regionais interessantes, como seus vinhos tintos da uva Mencia, os brancos que usam as cepas conhecidas no lado do Miño português, a Albariño e a Loureiro, a Godello e Treixadura. Seus licores com aguardente vinica extraída das cascas das uvas ou “orujo”, e que servem de veículo à sua linha, possuem 40% de álcool. Eles compõem uma gama de produtos que vão desde os licores com ervas, frutas e café até a aguardente pura, uma grapa por assim dizer, e cuja capacidade de produção, já grande para os padrões locais, chega a 180.000 litros anuais no total dos quatro tipos existentes.
Essa capacidade produtiva acontece porque a empresa já é uma cooperativa a Oreta Xida, fundada em 2005 e composta por 10 adegas. Com o apoio do Instituto Galego de Promoción Econômica (IGAPE), com financiamento da la Caixa, esse lindo pedaço da história da Galicia, e seus produtos regionais rumam ao promissor mercado global.
Para lembrar um pouco da história, usando a linguagem própria desenvolvida pelos antigos mestres em cantaria, a arte de trabalhar em pedra em cantos de edificações, Oreta significa Auga, que é ÁGUA, e Xida é BOA. Sendo assim, temos Oreta Xida igual à ÁGUA BOA, ou AGUARDENTE!
Ainda como curiosidade vinho é igual a chumieira e uvas é igual a mesteas. E por aí vamos, com mais ou menos 300 vocábulos resgatados desse “dialeto” ancestral, e que estão em um folder da Cooperativa como: Breve Manual da Língua dos Canteiros e Afiadores Galegos.
Associações e cooperativas que realmente levem seus membros a um desenvolvimento sustentado, política praticada em Chantada, em harmonia com a natureza e a história do local, e acima de tudo, bem administradas, só podem ter nosso aplauso, e é por isso que digo: Vinho, que negócio é esse! Em tempo, especial agradecimento e cumprimentos à essa magnífica iniciativa, que teve o comando de Don Alfonso Regal Teijeiro. Obrigado pelo convite.
Articulista- Álvaro Cézar Galvão é consultor e palestrante especializado em bebidas. Há anos atuando na área de vinhos, é conhecido como “O engenheiro que virou vinho”. Tel.: (11) 9 9136-2953 – [email protected] – http://divinoguia.blogspot.com
Serviço
Até o próximo brinde!
Álvaro Cézar Galvão