Meninas e meninos,
Vinhos de talha, texto de João Pedro Carvalho, do Blog Copo de 3, traduz muito bem esta corrida desenfreada pelo modismo, pelo novo, pelo inusitado revisitado que vemos não só nos vinhos, mas na gastronomia também.
Resolvi postar o texto sobre Vinhos de Talha na íntegra, com a grafia e a gramática portuguesas, porque está completo, e porque nunca quis ser eu o dono da verdade, sempre troquei e continuarei trocando ideias e conceitos com os que pensam diferente, os que divergem das minhas posições. No caso deste texto, elas convergem 100%.
“Não importa os anos com que lido com este tipo de vinho, que para alguns é como um brinquedo novo, não importa as vezes que o vi ser feito bebido ou provado, importa que o fenómeno das talhas reapareceu faz menos de uma década, e que de supetão deu-se uma corrida louca e desenfreada que colocou produtores de norte a sul de Portugal a correrem todo o Alentejo à procura de talhas, não importa tamanho, idade ou feitio… desde que fosse uma talha a festa está feita.
Para os que não conseguem ter uma das centenárias, inventaram-se umas mais modernaças para não estragar a brincadeira. Depois grande parte desses vinhos nasce de forma confusa e direi de uma forma adulterada e vai contra aquilo que sempre foi e sempre caracterizou o vinho de talha.
Há vinho que apenas toca ao de leve na talha e passa para o inox e é de talha, é de talha aquele outro em que apenas uma % do que lá foi feito é misturado com outro estagiado em madeira, pelo que me arrisco a dizer que é tudo menos o autêntico vinho de talha.
O engraçado é que quem certifica (CVRA) por um lado diz uma coisa mas na hora de colocar o selo diz outra. Senão vejamos, no site dedicado ao Vinho de Talha podemos ler que: A talha, por ser porosa, necessita de um revestimento que a torne menos permeável.
O método tradicional de impermeabilização é a “pesga” ou a “pesgagem” da talha, isto é, a rebocagem da mesma com resina de pinheiro a que se chama de pez louro. Nas tabernas e adegas particulares também há quem utilize tintas com efeito impermeável (tinta epoxi para revestimentos cerâmicos)que podem ser colocadas pintando o interior da talha.
Todavia, estas tintas criam um isolamento de tal forma absoluto entre o barro e o mosto vínico, que não permitem que a talha cumpra a plenitude da sua função, não sendo portanto uma alternativa viável por não manter a marca nem o carácter típico desta forma clássica e natural de vinificação.”
O insólito é que lendo o que a CVRA escreve no seu portal dedicado à promoção do vinho de talha, ficamos a saber que: “… a talha com epoxi… não cumpre a plenitude da sua função, não sendo portanto esta uma alternativa viável.” É a mesma CVRA que no seu “regulamento” diz o seguinte:
“2. Das práticas enológicas Na elaboração do «Vinho de Talha» serão seguidos os métodos tradicionais e as práticas e tratamentos enológicos legalmente autorizados, devendo adoptar-se obrigatoriamente os seguintes processos:
- a) desengace das uvas é obrigatório;
- b) a fermentação terá lugar em talhas ou potes devidamente impermeabilizados;”
Procurei esclarecimento junto daquela entidade e fui informado que é possível o uso de epoxi, contrariando aquilo que surge no site por eles criado para promoverem a dita tipicidade deste vinho. Relembro mais uma vez quanto ao epoxi: ” não sendo portanto uma alternativa viável por não manter a marca nem o carácter típico desta forma clássica e natural de vinificação”.
Chego portanto à conclusão que perante tanto produtor a querer ter o seu “Vinho de Talha” e dado que pesgar as ditas não é para qualquer um, o vale tudo para ter o vinho certificado e com a máquina do marketing a rolar, se engole a tradição que por um lado se apregoa mas na altura que interessa, se deixa na gaveta. Deixo pois as seguintes questões:
– Não está o consumidor a ser ludribiado quanto à autênticidade do Vinho de Talha que compra, quando este é feito numa talha revestida a epoxi, que fugindo à tradição e que segundo site oficial, não é uma alternativa viável ?
– Em que ponto ficam todos os produtores que seguem a preceito as regras e a tradição face aos restantes ?
– Se forrar uma talha a inox, assegurando que fica devidamente impermeabilizada, o vinho pode ser certificado pela CVRA como Vinho de Talha ?”
Vinhos de Talha-Publicado por João Pedro Carvalho no https://copod3.blogspot.com/ e também no
https://www.facebook.com/Joao.Pedro.Carvalho
Fotos créditos: Site vinhodetalha.vinhosdoalentejo.pt e Sovibor-Sociedade dos Vinhos de Borba S/A
Até o próximo brinde!
Álvaro Cézar Galvão